A tarde do primeiro domingo de junho de 2019 trouxe consigo, além da chuva fina e do frio típico do fim de outono, a maior surpresa que dona Iracema Soares, de 93 anos, poderia esperar.
A visita dos três filhos, do genro e do neto, que hoje moram na grande São Paulo, foi marcada por momentos de muita conversa, regados por um cafezinho feito na hora. Recebidos em sua casa na vila Dignidade, em Itapetininga, dona Iracema diz, com simplicidade, como foi o encontro.
“Foi muito bom. Eu gostei muito de eles terem vindo”, enquanto, gentilmente, nos oferece um pedaço de bolo.
O tão esperado dia do reencontro, finalmente, chegou!
Histórias que pareciam apenas vagas lembranças se traduziram em abraços e sorrisos extravasados numa emoção tão legítima e sincera que as longas trocas de olhares não puderam esconder.
As marcas do tempo, tão presentes no rosto de dona Iracema, agora eram mais que sinais de décadas de uma vida dura, cheia de desafios e de grandes lutas. O momento era de admiração, de reconhecer traços, as semelhanças, e ver que ali, diante de uma família inteira, estava a mãe, a sogra, a avó, enfim, a matriarca que por mais de 50 anos, esteve distante.
O ano era 1968 e dona Iracema relembra o passado. A lucidez e experiência da nonagenária impressionam pela riqueza de detalhes e emocionam pela simplicidade com que detalha o momento mais delicado de sua vida...o dia em que partiu de São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo, deixando seus três filhos.
“Foi um momento ruim em que me sentia possuída por algo ruim”, conta a idosa tentando explicar o que, há meio século, ainda não era clinicamente definido como Depressão Pós-Parto.
“Meu marido era marceneiro, mecânico e soldador. Trabalhou num pastifício em São Caetano do Sul. Quando o ‘mal’ veio, em 1968, vim para Itapetininga e deixei os três (filhos). O mais velho, Edson, que eu chamava de Edinho, tinha cinco anos. A Ercília tinha uns dois anos e meio e o caçula, o Elson, um ano e meio. Trabalhei como lavadeira e morei por mais de 40 anos na vila Belo Horizonte”, destaca dona Iracema.
Para Rosana Mazzarino, coordenadora da Vila Dignidade, que atualmente conta com 18 moradores, dona Iracema é um exemplo de vivacidade.
“Ela tem uma memória impressionante. Lembra de tudo com clareza e conta histórias sempre com muito bom humor” e revela o passatempo favorito da idosa. “Ela adora ir à Feira-Livre na Praça Peixoto Gomide às quintas para comer pastel e tomar caldo de cana”. “Pastel de carne ou de palmito com garapa”, complementa dona Iracema entre risos.
Com a experiência de quase um século de vida e de histórias para contar, dona Iracema Soares narra a participação de um de seus irmãos na Revolução Constitucionalista de 1932. “Ele foi para a trincheira e sentia as mãos suadas na baioneta. Ele contava que ele e os soldados viram a imagem de Nossa Senhora. Só eles viram. Os inimigos não conseguiam ver. Quando voltou da guerra, chegou magro em casa”, relembra.
Morando na Vila Dignidade em Itapetininga há quase cinco anos, a senhora, de sorriso fácil e extrema simpatia, relata os “causos” de sua vida e as inevitáveis lembranças que por cinco décadas foram presenças constantes em sua mente.
“Um dia quando a gente nem pensa, eles chegam” numa reflexão sobre o reencontro com os filhos.
ITAPETININGA